“Bendita e louvada seja a luz que mais alumia” – com esse trecho “no meu juízo”, saí no Cariri rumo a Candeias, guiada pela luminura das palavras bem ditas através do fio condutor das histórias. Uma experiência que há alguns anos sonhava vivenciar, mas não imaginava ser no corrente ano tão atribulado por uma pandemia que já dura dois anos se encontrando no momento mais amena, todavia ainda presente. Candeias despertava em mim os melhores sentimentos de harmonia, partilha, união e multiplicação. Era quase impensável para uma narradora do sertão do Ceará poder partilhar dessa luz, pela distância e todos os enfrentamentos diários que um contador de histórias possa imaginar. Quando a força física falta é pra divindade que se apela. Valei-me meu padrinho Cicero e a mãe de Deus da Candeias, e graças a generosidade de “candeias” pude ousar sonhar acender a chama do candeeiro que habita meu ser.  Na minha cidade, Juazeiro do Norte, todos os anos no dia 02 de fevereiro, “levas” de gente transformam a passagens das ruas da cidade em um mar de fogueiras, a agradecer e se renovar na fé e no rosário de histórias de vida de cada romeiro que vem aceder seu fogo brando nas chamas da cidade pulsante do Padrinho Cicero.  

         Oh que caminho tão longe, cheio de pedras e areias, percorre o bom pelegrino da mãe de Deus das candeias – e foi assim com esse sentimento de caminhar, peregrinar, e com as graças das generosidades daqueles que sabem iluminar, pois são sabedores que luz repartida em cadeias ilumina e multiplica, acende e ascende o fogo do bem dizer. Foi no caminhar peregrinando que fiz todo o percurso até me deparar com um festival lindíssimo, levando na mochila um livro fruto da partilha de memórias ancestrais e registrada em uma publicação pelo Coletivo Camaradas através da lei Aldir Blanc cujo o título é: “Entrou pela porta e saiu pelo canivete”, que vivenciei cadeias uma experiência única. Encontrar pessoas de diversos lugares, algumas delas vistas apenas através de uma tela de notebook ou celular, a experiência me transportou para o mundo das narrativas de lugares diversos como Equador, Paraguai, Rio de Janeiro, São Paulo e tantos outros lugares com seus falares e costumes. Nada que eu imaginava chegou perto da grandeza dessa festa narrativa, foram dias de envolvimento, beleza e de muito aprendizagem. Através de encontros, conversas nos bastidores, café tomado ali juntinhos, fomos juntando, entrelaçando e acedendo a candeia de cada um, olhares entre narrativas que fazem parte de um mesmo cordão.

       No Cariri Cearense costumamos dizer através dos benditos cantados pelo povo, no caminho de Juazeiro nunca ninguém se perdeu, por causa da aluminara da mãe de Deus das candeias, pensando assim, reflito nesse festival de encontros diversos, como é bonito saber da multiplicação das luzes.

         A luz da fé que nos guia, aqui nos reanimou, formamos grande família de cristo nosso senhor, é assim que se encerra o trecho do canto sagrado que me ajudou a compor esse texto, usei intencionalmente marcar os caminhos de uma narradora peregrina, a cada momento vivido em candeias pude dividir com imagens, áudios e relatos a experiência que mergulhei por inteiro em dias intensos de risos, encontros e choros da mais pura felicidade.

Elisabete na Candeia – Mostra Internacional de Narração Artística. Foto de Igor Cerqueira

Venho de um núcleo familiar que ensinou-me a multiplicação da divisão, onde comia 10 podia se aprochegar 13, ao poder partilhar com meus pares aqueles momentos mesmo que por mídia, me dava a certeza de que eles estavam comigo e me senti extremamente contemplada em dividir as  palavras a espalhar sementes para serem multiplicadas, pois cada momento eu ia gravando trechos das oficinas e apresentações, contando os causos e enredos através de uma mídia de Whats, e como foi bonito eles dizendo que se sentiam juntos comigo em candeias. Trouxe para o sopé de minha chapada o fogo brando das nossas histórias partilhadas.   

 

Elisabete Pacheco é narradora oral e organizadora do Festival de Contadores de Histórias nas Terras do Cariri.

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